Boaventura de Sousa Santos
26/04/2007
Nesta data mágica de Abril, o debate político bateu fundo. O primeiro-ministro talvez esteja a pagar caro a posição do Governo sobre a OPA da Sonae contra a PT, enquanto comunistas e humoristas indolentados pelas presas fáceis glosam o inglosável; a Universidade Independente é a ponta do iceberg da política de desmantelamento da universidade pública por via da concorrência selvagem das universidades privadas, conduzida pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva; uma televisão pública irresponsável aproveita‑se do fracasso da educação nos últimos trinta anos para organizar um festival grotesco de revanchismo. E, para completar o quadro, dói ver um capitalismo incompetente levar à falência uma das bandeiras da nossa auto‑estima e qualidade de vida, as louças da Vista Alegre, enquanto a hipocrisia dominante celebra a privatização da saúde, educação e segurança social, ao mesmo tempo que chora lágrimas de crocodilo ao verificar que Portugal é o país socialmente mais injusto da Europa.
Neste contexto, cabe perguntar: valeu a pena o 25 de Abril? Valeu por tudo aquilo que não é notícia, quer porque é tão natural quanto a sede, quer porque a mediocridade geral dos media não enxerga para além da mediocridade. Neste último caso, não é notícia uma das transformações mais notáveis da sociedade portuguesa nos últimos trinta anos: o extraordinário avanço científico, a criação de um sistema nacional de ciência e a tradução deste em indicadores internacionais em que a comunidade e a sociedade científica portuguesas se podem rever com orgulho. Nos passados dias 12 e 13 de Abril, realizou-se o Encontro Ciência 2007, em que os melhores centros de investigação do país – os 25 laboratórios associados e os seus 5500 investigadores – apresentaram ao público, de modo muito pedagógico, os resultados mais recentes da investigação que estão a realizar. Foram abordados temas tão diversos quanto análise matemática, estudos florestais, fusão nuclear, robótica, geologia, neurociências, educação intercultural, migrações, nanotecnologias, biologia, biotecnologias, engenharia de sistemas, comportamentos políticos, tratamento de lixo e resíduos, energia, transportes, telecomunicações, química verde, etc.
Esta grande mostra da ciência não foi tão anunciada quanto merecia, mas não teria passado despercebida aos media se estes nela tivessem visto algum sinal da corrosão do tecido social que tão zelosamente exploram. E, de facto, as poucas notícias foram de comentários críticos que, no melhor dos casos, me pareceram equivocados, produtos da mentalidade, hoje imperante, de que nada pode dar certo. Ao contrário, a imagem que se colheu neste encontro foi a de um país jovem, fortemente internacionalizado, sem complexos de inferioridade ou superioridade, competitivo, trabalhando em equipa. Temos hoje uma política de ciência que, se o esforço que ela implica for sustentado, é uma das mais incisivas razões por que valeu a pena o 25 de Abril.
2007-05-08
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